sexta-feira, 15 de março de 2013

Sou filha do nada...


Sou filha das trevas, do mar mais revolto, 
sou despida de tudo, não sou nada nem gente
Se tu, pai, que não conheço, não me sabes, não sinto, 
mas és, se tu não me tivesses feito:
de um sexo parvo e louco, 
de um sentir prazer cego na tua carne e apenas isso
E tu, mãe, não me tivesses parido eu não escolheria a vida, 
não, sem vos ter sempre comigo
Não existiria, não era eu nem gente, não seria ninguém, 
mas isso pouco ou nada me importaria

Teria uma existência nula, 
seria poeira, lixo, células mortas, uma utopia, só isso
Tudo preferível à minha essência miserável e crua, 
algo que vive em mim e adivinho sempre triste
Não era infausta, não via a mágoa, 
e sem sentidos: não provaria a dor na desgraça e na angústia

Que me importa saber se há lágrimas de alegria, 
se há gente que ri, que se diz bem e sabe tudo
Se choro e sou triste em ser, se as lágrimas me vestem de luto, 
sinto tortura e a dor se faz só minha   
Se me causam ânsia e temor, 
me caem do rosto e por ti vão até ao chão,
sujando-me de pesar e pena

Perder um filho, perder um amigo, o nosso amante, 
o ente mais querido, o nosso porto mais firme
Perder um braço, nele mil abraços e tudo do tudo, 
perder a mente: o pensamento que nos faz gente
Isso fere na alma, mata por dentro o nosso ser, tira-nos o ar, 
faz-nos morrer de pena lentamente
Perder o pai que existe vivo, que é, mas nunca foi nosso:
 para mim é tortura, é gritar e secar da alma 

Vegeta-se descalço, nus no coração, 
sem abraços de sangue, o dar de mãos e morre-se aos poucos:  
sem memórias dos  afagos, sorrisos e abraços nunca dados,
o vazio de nada ter dele além do nada
Esvai-se em nós a esperança de o termos ainda. 
Vive-se e constrói-se um mundo frio e diferente
E como o sangue jorra de uma ferida, 
solta-se de nós, de um golpe só, um “AI” maior e sem raízes   
Vem o gelo, a noite escura, a cor negra do vazio e sozinhos presos a nada, 
flutua-se no cheiro a bafio

Pai, tu que és e vives, a quem eu não pedi para ser gente, 
porque me fizeste nascer e estar aqui?
Tenho medo pai, ouve pai, estou sozinha, 
está escuro e eu tenho receio de tudo,tenho medo da vida
Preciso há tanto do teu apoio e regaço, 
das tuas mãos a afagarem-me o rosto, a cabeça e os cabelos
Preciso que me faças esquecer 
que o vermelho não é só sangue e dor, guerra e sofrimento:
que és tu pai, e uma papoila, uma rosa florida 
e uns lábios ternos (os teus), a dar-me beijos doces 



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