Parecia outra,
mas era a mesma de sempre
com o cabelo revolto da mesma forma de então,
do tempo que a conheci
e na fala como de costume
parecendo louca, desatenta,
falando sem parar
narrando factos sem nexo
contando impossíveis para mim,
mas que para ela eram concretos e reais
tudo lhe parecia fácil, perfeito, realizável
e segredou-me que se chamava Maria.
Fiquei aparvalhada, confundida,
não era esse o seu nome,
nunca lho conhecera
mas acolhi esse dado que lhe era precioso
e chamei-lhe Maria como queria ser chamada
Tinha outro nome
mas a mim isso que importava
se a via na mesma e até gosto de Maria.
Mãe muito jovem,
ainda eu desconhecia esse amor,
casou, foi mais mãe ainda, teve outros filhos,
trabalhou, lutou por eles, pela casa,
com o companheiro que cedo partiu e a deixou
viajando para o lado mais obscuro a que todos temos direito
deixando-a com viagens e sonhos pela metade
mil desejos por realizar.
E o seu cabelo desgrenhado piorou
ficando ainda muito mais despenteado
e as vestes pretas que envergou durante anos
tornaram-na diferente, feia, amargurada
mais velha e quezilenta,
confusa, baralhada e muito estranha
Mas agora pareceu-me que tudo mudou
Saiu de casa, deixou para trás os seus deveres de mãe,
esqueceu esses amores e o outro que perdeu,
mudou de nome
e renasceu como idealizou,
de novo para o mundo
Não sei se fez mal ou bem
não sei avaliar, não a posso julgar
mas hoje veste vermelho, azul e amarelo
enterrou o preto para sempre
libertou-se dos filhos, largou o lar que tinha
e hoje tem um canto só seu,
onde não vive de lembranças,
só do presente, penso eu.
Com ela só permaneceu o cabelo solto,
raro e despenteado
a forma de falar meio tresloucada,
parecendo como antes sempre desatenta
mas de quem agora parece ter e saber tudo,
estar feliz e não precisar de nada.
Como será que vive quando está sozinha?
será que se sente mais mulher e vai falando sempre?
Não sei!
Só sei que trabalha,
trabalha muito e parece ser feliz.
Eu nunca seria capaz de viver assim
Eu nunca seria capaz de viver assim
não teria essa coragem
desprender-me das minhas raízes,
largar a casa e os filhos
refazer de forma tão radical a vida
mas,
eu não tenho a sua coragem
a sua rebeldia
o cabelo desgrenhado,
nem falo ao vento,
porque não sei,
e tenho medo
e amo demais a minha gente
e não quero atirar-me pelo mundo como ela
e chamar-me Maria simplesmente.
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