terça-feira, 20 de novembro de 2012

MARIA só Maria



Parecia outra, 
mas era a mesma de sempre 
com o cabelo revolto da mesma forma de então,
do tempo que a conheci 
e na fala como de costume
parecendo louca, desatenta, 
falando sem parar
narrando factos sem nexo 
contando impossíveis para mim,
mas que para ela eram concretos e reais 
tudo lhe parecia fácil, perfeito,  realizável
e segredou-me que se chamava  Maria.

Fiquei aparvalhada, confundida, 
não era esse o seu nome, 
nunca  lho conhecera
mas acolhi esse dado que lhe era precioso
e chamei-lhe Maria como queria ser chamada

Tinha outro nome 
mas a mim isso que importava
se a via na mesma e até gosto de Maria.

Mãe muito jovem, 
ainda eu desconhecia esse amor,
casou, foi mais mãe ainda, teve outros filhos, 
trabalhou, lutou por eles, pela casa,
com o companheiro que cedo partiu e a deixou 
viajando para o lado mais obscuro a que todos temos direito
deixando-a com viagens e sonhos pela metade
mil desejos por realizar.
E o seu cabelo desgrenhado piorou
ficando ainda muito mais despenteado
e as vestes pretas que envergou durante anos 
tornaram-na diferente, feia, amargurada
mais velha e quezilenta, 
confusa, baralhada e muito estranha

Mas agora pareceu-me que tudo mudou
Saiu de casa, deixou para trás os seus deveres de mãe,
esqueceu esses amores e o outro que perdeu, 
mudou de nome
e renasceu como idealizou, 
de novo para o mundo

Não sei se fez mal ou bem 
não sei avaliar, não a posso julgar
mas hoje veste vermelho, azul e amarelo
enterrou o preto para sempre 
libertou-se dos filhos, largou o lar que tinha
e hoje tem um canto só seu, 
onde não vive de lembranças, 
só do presente, penso eu.
Com ela só permaneceu o cabelo solto, 
raro e despenteado
a forma de falar meio tresloucada, 
parecendo como antes sempre desatenta
mas de quem agora parece ter e saber tudo, 
estar feliz e não precisar de nada.

Como será que vive quando está sozinha?
será que se sente mais mulher e vai falando sempre? 
Não sei! 
Só sei que trabalha, 
trabalha muito e parece ser feliz.

Eu nunca seria capaz de viver assim
não teria essa coragem
desprender-me das minhas raízes,
largar a casa e os filhos 
refazer de forma tão radical a vida
mas,
eu não tenho a sua coragem 
a sua rebeldia
o  cabelo desgrenhado,  
nem falo ao vento,  
porque não sei, 
e tenho medo 
e amo demais a minha gente
e não quero atirar-me pelo mundo como ela
e chamar-me Maria simplesmente.  


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