segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Perdão

Alberto conversara seriamente com os pais e definira com eles objectivos para a sua vida futura. Tendo em conta a situação emocional que o filho vivia e também porque nos vinhedos tudo ia muito bem, concordaram em que ele avançasse com os projectos que tinha em vista, e deixar esses vinhedos de Rioja, entregues aos cuidados dos sócios gerentes. A mãe, apesar de ir sentir a sua falta apoiou-o totalmente. Queria que Alberto encontra-se a paz que precisava para ser feliz, e isso passava por ele partir para Múrcia.

Apareceu em Múrcia parecendo um homem diferente do que costumava visitar Camila, no tempo de namoro dois anos e meio atrás. Menos altivo, de aparência mais gentil e submisso, e um pouco mais envelhecido e de semblante descontente. Tinha cortado os caracóis negros, mas os olhos mantinham o mesmo olhar penetrante, agora mais profundo e triste.
Camila com todos os acontecimentos que passara, já não lembrava muito, porque isso a atormentava e procurara esquecer para seu bem, o dia em que amarfanhara entre dedos até desfazer, a foto que encontrara naquele quarto mobilado, e aquelas roupas de mulher. Queria esquecer tudo isso, mas agora que ia novamente ser mãe, esperava ganhar um pouco de coragem para ir a Logroño falar com Alberto e com os sogros acerca da sua situação. Andara entusiasmada com a remodelação da loja, deixara o tempo passar, mas chegara a altura de resolver esse dilema, sem imaginar que essa resolução vinha a caminho.

Quando a porta bateu Camila não estava na loja, mas lá dentro, mas sentiu o seu tilintar inconfundível. Naquele momento não foi ela que veio atender, mantendo-se dentro de casa a cuidar de outros assuntos. Mais tarde, quando apareceu no bar, aquele vulto que olhava para a tela, à entrada da sua loja fê-la estremecer de alto abaixo. Conheceria aquela fisionomia à distância em qualquer local, ainda que mais magro, de cabelo mais curto, a sua presença ali na loja queria dizer-lhe muito.

E calmamente foi ter com ele. Há tanto que não se viam que por terem tanto que dizer, ficaram ambos mudos olhando-se apenas. Camila gostava tanto dele ainda, e estava tudo tão distante, que sentiu que já não estava revoltava, e quase lhe apeteceu agarrar-se ali aquele homem como se nada tivesse acontecido nunca. Mas manteve a sua compostura, afinal ela não era uma pessoa inconsequente. Alberto olhou-a muito corado, com um ar humilde, como nunca o vira ficar, muito diferente do Alberto que estava habituada, e ela que o esperava há tanto tempo, limitou-se a convidá-lo a atravessar a loja e a entrar ao fundo, em sua casa, muito civilizadamente. Nem acreditava que Alberto estava ali para conversarem. Tinham tanto para resolver e combinar.

Mas Alberto não lhe deu tempo para pensar muito mais, e antes que lhe faltasse a coragem, mal entrou dentro de casa foi directo ao assunto.

-Sei que não deves querer saber de mim para mais nada. Tratei-te mal durante todo o tempo que estivemos juntos, fui um imbecil, não soube ver a mulher que eras e o quanto me querias, nem reconhecer o quanto eu te queria também. Se me quiseres ouvir conto-te tudo.

-Mas tudo o quê? A tua história com aquela outra mulher? Podes ficar com ela. De ti já não espero mais nada. Só espero que me ajudes a criar o nosso filho.

-Não Camila, estás enganada, não há nenhuma outra mulher, não assim, como estás a imaginar. Quando casei contigo, de facto tinha perdido uma mulher, mas já não estava com ela há algum tempo, tinha morrido, estivemos noivos, vivemos, mas antes de casar (…)
E contou-lhe toda a história, que Camila foi ouvindo meio incrédula, meio descrente, como se tudo não passasse de uma invenção irreal da sua cabeça, por ser uma história tão inverosímil. Nem queria acreditar que vivera ocupando o lugar de outra mulher, e apenas isso.

Mas e os beijos, e todos os carinhos que sentia, teriam sido todos falsidade? Sentia Alberto tão sincero e tão entregue a ela quando a beijava e estavam juntos, tudo aquilo teria sido fingimento dele?
-Mas eu, amei-te assim que te vi naquele baile -dizia-lhe Camila- depois cada segundo que estava longe de ti pareciam-me anos, e mais tarde quando casámos parecia que me repudiavas, que te vingavas de algo. Amavas-me com raiva, com violência, magoavas-me, porquê, por eu não ser Letícia?
-Já te amava, mas não aceitava tê-la perdido daquela forma. E tu, ali no seu lugar, vivendo a vida, que podia ser a minha e a dela.

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