segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Camila voa até ao Brasil

Pronta para viajar era a primeira vez que Camila parava para se questionar. Por alguns segundos pensou se não se teria precipitado. Todo aquele tempo de namoro e preparação para o casamento passara tão depressa que nem um segundo actuara com a razão, tinha sido sempre levada pela paixão que sentia por Alberto. Sentia-se possuída por um amor que lhe era prazenteiro, mas que quase não a deixava raciocinar, nem respirar, ser completamente livre, e só agora que deixava a sua casa definitivamente, dava conta que isso lhe trazia algum desconforto e insegurança.

Abandonar a casa onde sempre vivera desde menina com os pais e Gila, causava-lhe agora na hora da partida, um certo peso e mágoa. Não tivera tempo para pensar, porque talvez por medo, ou porque pensara que seria forte o suficiente, não se dera ao trabalho de o fazer. Quisera evitar fazê-lo, quem sabe inconscientemente, com receio da resposta, ou de algum pequeno vacilo, que o seu coração lhe poderia dar.

Não queria perder Alberto por nada, pois estava deveras apaixonada, e via agora que a sua precipitação naquele abandono drástico da mãe e da sua casa lhe ia ser doloroso. Estava presente em todas aquelas coisas que fizeram parte da sua vida, para poder deixá-las assim sem sentir mágoa, mas era tarde e não podia recuar. Semeara tantos sonhos e colhera, pensava ela, tudo o que desejara, sem saber ainda se a colheita seria produtiva e positiva de verdade.

Abandonava a sua cidade, os seus amigos, o trabalho, os passeios à praia, o mar de Múrcia, a praça sempre cheia de flores, os bares e todos os locais que visitara tantas vezes com os amigos, mas mais importante que tudo, abandonava a loja de antiguidades e o aconchego da casa onde nascera e fora criada com todo o amor pelos pais, onde aprendera a amar e ser amada como só eles sabiam amar. A mulher que partia ao recordar tudo isto, sentia uma amargura infinita que não conseguia explicar.

Camila tentou ocultar dentro de si este sentimento, que mesmo assim era bem visível no seu rosto, para Alberto não se aperceber.

Mas na verdade, ele não se apercebia, ou parecia não se aperceber de muitas coisas, das suas preocupações, do seu excesso de trabalho durante o casamento, de como ficaria a vida da sogra depois de eles partirem, da loja da sogra, agora que estava viúva. Alberto só desejava Camila ardentemente, e sempre que a olhava parecia alucinado, e sem se aperceber se isso era amor, paixão, ou simplesmente desejo, Camila deixava-se envolver cada vez mais por esses laços fortes que a acorrentavam e atraíam a ele de uma forma que a deixavam incapaz de ver que aquele homem não desejava dela muito mais além disso.

Na hora de partir, deixar a mãe sozinha, ainda que esta ficasse com a velha Gila, causava-lhe uma tristeza e um transtorno infinito, acrescido do facto de Pia lhe ter afirmado que sozinha, raramente a iria visitar a Rioja, por não ter gostado da família de Alberto.

Tudo isto lhe provocava uma sensação de abandono e solidão, como se ao sair dali algo dentro dela morresse um pouco para sempre. Sentia como se estivesse a ser despojada, deitada para fora de bens que lhe pertenciam e nunca mais seriam dela, ainda que neste caso fosse ela própria que se despojasse a si mesmo. Era como uma auto flagelação a que Camila se submetia naquele momento que partia, mas à qual haveria de resistir, pois esperava ser feliz com Alberto a ponto de se compensar de todas essas lacunas. Pensava falar muitas vezes com a mãe e visitá-la as vezes necessárias para matar saudades e resolver algum assunto que fosse necessário, mas ao final daquele dia ao contrário do que imaginara estava abalada e um pouco triste.

Alberto viu tristeza na atitude de Camila pela sua saída daquela casa, mas não fez perguntas, não teceu qualquer comentário a qualquer variação de estado de espírito da mulher, não referiu absolutamente nada, limitando-se a dizer-lhe que não se podiam atrasar porque tinham um voo a fazer.

Alberto parecia acomodado demais naquele afastamento, tendo em conta que uma das mulheres que se apartava naquele momento, era a mulher da sua vida. Ele despediu-se de Pia como de costume, e nem reparou, que depois do longo abraço que a mãe e filha deram, o rosto de Camila mudou, os seus olhos azuis ficaram mais escuros e caídos e os de Pia também. Durante muito tempo chorara para dentro, engolindo a mágoa de ver a filha partir tão depressa, mas depois de os ver retirar, não se conteve mais e os seus olhos choraram até as lágrimas secarem.

Pia estava uma mulher prostrada e fria desde que Geraldo morrera, e isso acentuara-se depois de saber que Camila casaria e partiria para viver com o marido. Jurou que nunca mais choraria por nada, nem por ninguém.


Fotos de Goggle

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