quinta-feira, 9 de junho de 2011

A reviravolta no país

          Apesar de por duas ou três vezes Helena ter procurado dona Joaquina, esta nunca mais aparentou ser a mesma pessoa. O seu coração cada vez mais frágil, alegrou-se no dia, em que de táxi, Helena a visitou com os dois filhos mais novos, o Luís e a Leninha. A senhora ficou radiante, mas de facto Helena verificou que ela já não era a mesma pessoa. Sentia-se cansada, a tensão arterial sempre alta, reumatismo que lhe causava dores fortes e diminuía a capacidade de se movimentar, e várias outras fraquezas que a tornavam uma pessoa mais envelhecida e muito abatida.
        Rui Manuel estava um jovem lindo, atraente, muito educado e bem formado, e por vontade do pai continuou os seus estudos na Academia Militar. Em 1974, Rui com os seus 18 anos começava os seus estudos superiores na área da aeronáutica.  Maria Luísa, com 12 anos, continuava a ser uma belíssima aluna no liceu, mas nunca mais se tinham encontrado. O país estava a travessar um período crítico, que já se vinha a arrastar há anos atrás, e demasiado importante para não se reflectir na vida das pessoas.
           Manuel, patrão da fábrica que possuía e onde trabalhava desde muito jovem juntamente com o pai, até que este faleceu, passava já há meia dúzia de anos atrás, algumas preocupações com as reivindicações que os trabalhadores constantemente lhe intimavam. Aumentos de ordenados, menos horas de trabalho, ordenado igual para homens e mulheres que faziam o mesmo trabalho ou idêntico, e muitas outras exigências que gradualmente conforme entendia mais justo, dom Manuel ia satisfazendo. 
          Após este ano tudo se alterou. Todas as vidas verificaram alterações e não houve local de trabalho ou ensino, lugar publico ou privado que não tivesse oscilado com os acontecimentos político-sociais, que se verificaram nesse ano.
          As pessoas finalmente tinham liberdade plena de pensamento e expressão, podendo falar nos cafés, na rua, onde lhes apetecesse, conscientes de que dali em diante isso as pudesse colocar em risco de prisão. Acabou o medo de olhar para o lado por alguma palavra eventualmente caída em algum ouvido persecutório. As pessoas pensavam por si, libertaram-se do medo com que viviam quando falavam do que se passava no seu país ou no seu trabalho e condições de vida. Igualdade perante a lei, e tolerância, também apareceram gradualmente para todos, trabalhadores de todos os níveis e de todas as áreas, poetas e escritores que agora podiam livremente expressar o seu pensamento.
        O país abriu-se completamente ao mundo, e a informação de tudo passou a circular através das fronteiras e não só dentro do país. A mulher criou um lugar de direito na sociedade, e Helena que já se sentia muito bem naquele gabinete onde trabalhava, continuou ainda com mais energia e vontade de evoluir naquelas áreas de processos jurídicos onde já se movimentava muito bem, talvez porque os seus patrões fossem pessoas evoluídas e já com ideias avançadas para a época.
         Menos bem ficou o senhor Manuel que muito depressa perdeu o dom. Os trabalhadores, tanto exigiram que a certa altura determinaram que melhor que ele, eles próprios, fariam a gestão daquela fábrica. Tinha surgido um movimento social marcado pela autonomia, e na fábrica formou-se um movimento social que originou uma comissão de trabalhadores assalariados assumindo a direcção de processos de produção de organização de trabalho em regime de auto gestão.
     O poder exercido pelo senhor Manuel na fábrica, foi suspenso, retirando-lhe os trabalhadores o controlo de parte muito importante das actividades económicas. Surgem as greves, que dão continuidade e força à luta crescente dos operários e o senhor Manuel que pensou ter sido sempre um óptimo, senão o melhor de todos os patrões, viu-se de um momento para o outro, despojado de todos os seus poderes ou quase todos, pois concordar com todas as exigências que lhe eram propostas, eram na sua opinião, um exagero.
         Num prazo estipulado, todas as reivindicações exigidas pelos operários tinham que ser satisfeitas, caso contrário os trabalhadores paravam o trabalho, fazendo greve, mas o senhor Manuel entendia que a exigência de uma cantina e uma biblioteca para a fábrica, assim como um sítio para as mulheres trabalhadoras deixarem todo o dia os filhos, eram em demasia. Manuel andava muito abatido, revoltado e não conseguia aceitar as alterações que via diariamente na sua fábrica.
         Com estas alterações e constantes revelações de acontecimentos ocorridos na fábrica em casa, que não ficava nada bem era a dona Joaquina que achava uma injustiça um conjunto de trabalhadores armados em comissão mandatária, dirigir agora a fábrica que o seu marido deixara para os filhos.  Gradualmente a sua saúde foi piorando até que um dia nunca mais saiu da cama. Justina e o filho não sabiam mais o que lhe fazer. Vista pelos médicos, nada havia a fazer. Estava velha, doente e como tal medicada, só havia que esperar que melhorasse. Mas a senhora já tinha 74 anos e a família já não esperava que dali já não houvesse mais melhoras.
        Este último desgosto, roubara-lhe a derradeira réstia de vontade que tinha de viver. E na verdade um dia de manhã sem que nada o fizesse prever quando Celeste lhe foi levar o pequeno-almoço ao quarto e a medicação habitual, a senhora dormia de um sono profundo de que nunca mais acordou, sem saber que mais tarde os problemas na fábrica iriam encontrar solução.
        Um dia o senhor dom Manuel, que também já não era novo, pois já tinha 59 anos, deixou de trabalhar na fábrica a tempo inteiro e deixou-a ser gerida por um administrador eleito, depois de ter acordado com uma série de reivindicações dos seus operários. O país tinha mudado e as vidas das pessoas também.
   

Fotos do Goggle 

      

Sem comentários: