segunda-feira, 6 de junho de 2011

O dia do casamento

E Helena sorriu e beijou a filha com carinho, que vestida quase igualzinha a ela, parecia uma boneca, antes de entrar no carro que as levariam dali para a igreja.

Ninguém viu, mas numa janela da biblioteca espreitando aquela saída do carro, estava Justina, dizendo adeus a alguém que tendo o seu sangue nunca fora dela e partia para sempre da sua casa e da sua vida. Anos antes a sua boca negara toda a verdade, e todos os dias seguintes, tinha-os vivido num tormento, olhando aquela menina da sombra, apreciando a forma como Helena a criava com amor, sentindo uma dor enorme, mas fingindo que não sentia nada, pois há muito que o seu coração escondera por vergonha, humilhação e cobardia o que a sua boca nunca fora capaz de proferir, e aceitara isso como a única realidade possível. Aquela menina era sua e acabava de a perder para sempre, e isso, sem que ela o impedisse, fê-la chorar em vão de muita dor e raiva.

Não queria como em outras ocasiões anteriores, sentir aquilo, mas era mais forte que ela. A partir daquele dia a sua vida teria que mudar, pois quase todos a consideravam já um pouco louca, e até ela se sentia assim um pouco. Sabia, bem no fundo, que não seria capaz de a deixar de vigiar de longe sem que ninguém o percebesse, mas isso era uma coisa que nem mesmo ela admitia, mesmo sabendo que o faria com toda a certeza.

-Estás linda meu amor. Como estás linda.

Foi o que José Carlos lhe disse, quando se colocou no altar da igreja do bairro, ao seu lado. A mãe dele achou que ela estava belíssima, e a família dele presente, decerto também, pois durante o almoço que se seguiu, não se pouparam a elogiar Helena e o noivo, pela noiva que ele escolhera. Maria Luísa, tinha sido aceite há muito sem muitos comentários, pela mãe de José, que afinal era quem ia viver com Helena, e naquele dia a menina para os convidados não foi mais que a menina das alianças.

Ao final da tarde, o motorista levou dona Joaquina, Celeste e Alzira para casa, e os noivos foram para casa de José Carlos, que já tinha sido adaptada para todos conviverem em união. Maria Luísa não cabia de contente com o quartinho que lhe coube. Gostava daquele sítio de onde conseguia ver o rio e os barcos a navegar. Os noivos ficaram no quarto que já era o quarto de solteiro de José Carlos e que Helena conhecendo muito bem, reorganizara para ambos, e a mãe de José tinha o seu quarto habitual. Esta só tivera que prescindir de um velho quarto de costura e arrumações, e que o casal convertera lindamente no quarto da menina.

Triste, partiam Celeste, e mais que ninguém a senhora dona Joaquina, que tinha a certeza que a sua vida iria mudar. Não iria ter mais com quem conversar como antes, apesar de Helena lhe dizer que haviam de continuar a encontrar-se. Dona Joaquina sabia que a sua vida em casa do filho nunca mais seria a mesma sem ter Helena e Maria Luísa.

Alzira só imaginava que na terra ninguém iria acreditar em tudo o que ela vira, se lhes contasse. Não fora as fotografias tiradas, ninguém acreditaria, pois durante todo o dia, tudo esteve perfeito.

Quem lhe dera a ela semelhante sorte, mas quase já desistira de arranjar um namorado, além de que, ainda que ninguém soubesse, o patrão dela, era um presumido autoritário, atrevido e tudo o mais, e se bem que lhe pagasse um bom ordenado, moía-lhe a cabeça, e em tempos idos, perseguia-a, quando ela ainda não se sabia proteger, abusando dela quanto queria, sem que ela pudesse dizer nada à patroa para não se enxovalhada e desacreditada no meio de todos. Por isso nunca saíra daquela casa, mas esse era um segredo que nunca contaria a ninguém. Ir para onde, se não sabia que razão dar à patroa. Depois podia cair noutra casa bem pior.
 Para ela, a filha de Helena era um caso mal contado, e pelo que Celeste lhe contara ficara com as suas dúvidas, mas como diz o ditado, “casou-se, honrou-se”. Que tinha ela com a vida de Helena se a sua, era o que ela sabia. Mas Alzira não era uma lutadora como Helena, conformando-se com a sua sorte, e assim não iria ter a sorte da amiga.


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