domingo, 5 de maio de 2013

A cidade DA POESIA




A Cidade da Poesia

Desde miúda que a Carolina ia à missa todos os domingos com a avó. Recostando o rosto na mão, onde apoiava o seu queixo, passava a hora da missa a ouvir falar o padre, encantada com o som da sua voz. No seu coração, desde que ia à missa com a avó, sempre se imaginara apaixonada por aquele homem de vestes brancas, ou não, mas calmo com voz tão macia que lhe lembrava o veludo.

Era com ele que um dia gostaria de namorar e quem sabe casar, de véu e grinalda, entrando por aquela igreja, com muita gente a vê-los sorrir felizes

Ele era jovem e Carolina, sonhadora e distraída, nem dava conta da missa acabar. Sonhava com ele a toda a hora, via-o em cada canto, em cada lugar que passava, em cada coisa que fazia. Tudo e todos se pareciam com aquele homem de vestes lindas, enfeitadas de dourados, de mãos muito brancas e suaves, com a barba meio por fazer, tal como Cristo, mas que falava num tom tão ameno que lhe transmitia sono e paz. E era tanto assim que, para ela, ele lhe parecia mesmo Cristo.

Sonhava com ele todos os dias, todas as noites, cada segundo da sua vida. Vivia deslumbrada com a sua imagem, e acreditava estar apaixonada, só podia ser isso, era o que imaginava. Parecia que vivia um sonho, mas deixava-se andar. Guardava esse segredo só para ela e nem à melhor amiga o confessou algum dia.

Sempre que podia, mal chegava da escola, arranjava perante a mãe uma desculpa para sair, e lá ia ela direita como um fuso até à igreja, não para rezar, claro, mas atenta a quem entrava e saía, para ver se o via a ele aparecer, por tanto que o queria olhar todos os dias. Carolina vivia obcecada por aquele homem que, afinal, por variadíssimas razões, nem dava conta dela. Para ele, ela era mais uma jovem, do grupo de jovens, que frequentava a igreja.

Eram tantas as mulheres que iam à missa e o abordavam por uma coisa ou outra, que estava muito longe da sua cabeça olhar para aquela jovem de forma diferente, isto era o que Carolina pensava, imaginando-se mais uma das ovelhas do seu rebanho, como dizia a bíblia, só isso.

Mas Carolina foi crescendo e a obsessão pelo padre não lhe passava.

- A sua menina é muito religiosa: diziam as vizinhas à mãe de Carolina - anda sempre na igreja.

- É como as outras. Como é catequista vai várias vezes preparar as aulas e ter encontros com as crianças. Mais vale andar por ali que perder-se, como muitas, noutros lugares. Ali, sei que está bem.

E assim a mãe de Carolina calava a coscuvilhice das vizinhas, sem as entender, elas, que vendo a rapariga andar sempre a entrar e sair da igreja encontravam nisso algo que as confundia.

Carolina nas suas idas à igreja falava com as crianças, sim, mas sempre a pensar qual seria o melhor local para deixar os segredos escritos em papelinhos para o seu apaixonado.

Começou por deixar papelinhos, ora na sacristia dentro da bíblia, ora no bolso da batina do padre e um dia no confessionário, onde o senhor padre se sentava para fazer o ato de reconciliação dos fiéis.

E os papelinhos eram tantos que o padre, algum dia, tinha mesmo que dar com eles. E assim aconteceu, deu com eles. E já andava intrigado. Seriam para ele? Não tinham nome. Raio, se ao princípio aquilo não o ralava, passado algum tempo tanto papelinho começou a intrigá-lo. Um dia enquanto confessava uma velha senhora, viu no confessionário, bem entalado num canto, um papelinho que começou a ler. Encontrara-o enfiado numa ranhura do oráculo, e a curiosidade aguçou-lhe o apetite.

- “Gosto muito de si….” Quero dizer, minha senhora desculpe, gosto que todos os meus fiéis façam como a senhora e venham fazer a sua confissão, pois o ato de reconciliação é um ato religioso, tal com a missa, que deve ser cumprido por todos os cristãos como manda a lei de Deus. Agora, vá em paz e reze três Avé – Marias.

Santo Deus, quase se traíra. Ler o papel em voz alta não dando atenção aos serviços religiosos a que devia estar atento. Ai se a velha percebesse….

Mas quem seria que deixaria tanto papelinho escrito com versos rimas dispersas, algumas até interessantes, espalhados nos locais que ele mais frequentava na igreja?

Até já o sacristão lhe tinha entregado um papel que tinha por fora o nome dele: “Padre Américo”, pois se muitos não tinham nome, aquele estava identificado. E se o velho sacristão o tivesse aberto? Teria, no mínimo, ficado pasmado.

Lá dentro lia-se uma quadra: gosto de ti porque gosto, gosto de ti porque sim, gosto de ti porque sei , que também gostas de mim

Só podia ser alguma velha tonta, ou quem sabe algum miúdo travesso a gozar com ele. O padre não sabia o que pensar. Mas apesar disso lhe dar que magicar, e lhe criar situações embaraçosas, tentava não dar muita importância ao caso e esquivava-se a comentários.

Mas um dia aconteceu. Um papelinho, deixado ao acaso no cimo do altar-mor, foi apanhado pela senhora que lhe costumava mudar as toalhas e as flores. Foi uma fisga fácil e daí a nada todas as senhoras que cuidavam da igreja sabiam do papelinho, e pior, do seu conteúdo. Carolina sem se identificar dizia: “… morro de paixão pela tua voz, pelas tuas mãos aveludadas que sinto macias, por tudo o que vejo em ti, gosto de ti como se fosses o meu sol, a luz que me dá vida…”

Mas quem iria para a igreja deixar papeis com aquele conteúdo? As senhoras estavam confusas, trémulas e perplexas. Estavam velhas demais para ler aquelas coisas, que lhe pareciam obscenas. Alguém andava de namoro às escondidas, usando para isso a igreja.

- Será com o padre? - Atreveu-se uma.


- Cale-se minha amiga não vê que está a pecar…

E calaram-se com a conversa.

Só podia ser troca de papéis de namorados. Mas de quem? Tinham que colocar um fim a tudo aquilo. A igreja era um local sagrado.

Ninguém suspeitou do padre. Mas Carolina soube desta situação assim como na cidade todos, os que gravitavam à volta da igreja, souberam que os seus papéis com as suas declarações amorosas escritas ao padre foram encontrados pelas senhoras, sem ninguém saber que eram dela. Chatice, assim nada daquilo tinha graça alguma.

O padre já não estava senhor da situação e temia ser colocada em causa a sua reputação, com uma brincadeira de tão mau gosto. Umas vezes era ele que encontrava os papéis, outras vezes o sacristão e outras as senhoras que cuidavam da igreja.

Pensaram então que os papéis, com semelhantes declarações amorosas, deviam ser de um homem que muitas vezes ia à igreja e ali encontrara forma de trocar com a sua amada, os sentimentos que sentia por ela.

Coitado do homem que também ele encontrara, escondidos nos bancos onde se sentava, alguns papelinhos amorosamente escritos que o colocavam em pulgas. O coitado viveu, durante algum tempo, um dilema, sem saber quem era a mulher que tanto bem lhe queria.

Sim, quem seria? Alguém lhe queria bem e ele já se sentia apaixonado mas não sabia por quem. Já se sentia enlevado por um sentimento que o alegrava e fazia sorrir, mas não passava disso. Se fosse verdade alguém gostar dele, daquela forma, que bom seria, pois era solteiro e nunca fora capaz de se declarar, nunca, a mulher alguma.

Se fosse alguém que o amasse e quisesse de verdade, alguém ainda jovem e com bastante genica, melhor seria. E o homem viveu desesperado até que acalmou os ânimos, pois por mais papeis que deixasse com respostas, de volta não recebia o que mais desejava. Nunca chegou a qualquer resultado. E desanimou até que desistiu de encontrar ali a sua suposta amada.

A certa altura, quando Carolina encontrava papeis escritos nalgum banco ou local da igreja, que de início arranjara como secreto, rasgava-os todos, pois descobriu que aquela letra não era a do padre. A rapariga não descansara enquanto não descobriu a letra do seu amado e assim sabia bem que aquela letra torta e com erros não era a dele. Tinha a certeza, pois lutara, fora difícil, mas conseguira um dia conhecê-la bem. Andava a ser enganada e não sabia por quem.

E tal como o homem, ela pensou que ele devia andar a gozar com ela, apesar de encontrar alguma graça nalgumas coisas que o homem lhe escrevia. Por isso pensou que o melhor era parar, um período, com os seus escritos e não falar daquilo a ninguém. E por algum tempo quedou-se, por ali, num silêncio escrito absoluto. Que diriam dela na rua se a soubessem metida em troca de papelinhos na igreja? As amigas iriam todas gozar dela.

Carolina sentia pena do homem que lhe deixava os papelinhos e quase chorou por ele, pois o seu coração quase se apaixonou pelas suas palavras românticas, mas não podia dar continuidade a esse jogo que não lhe interessava e a começava a confundir.

Só lhe faltava aquilo - estar apaixonado por dois homens: o padre que conhecia bem e de quem ela gostava, e aquele outro que ela não sabia quem era mas lhe apanhava alguns papéis e lhe respondia, com erros, confundindo-a, dizendo-lhe palavras meigas e doces ainda que muito singelas.

Mas ela não podia continuar naquilo. O desconhecido parecia ser afetuoso pelo que lhe escrevia, mas dava erros, não era poeta e não lhe sabia dizer as palavras, que imaginava ela, se fosse o padre a escrever, lhe diria com certeza. Ia esquecer aquela pessoa. Tinha que esquecer pois, com aquela sua vida, parecia viver na lua. Os estudos estavam a ficar para trás. Passava os dias a magicar no mesmo e assim não dava.

No dia em que descobriu que o padre apanhou algumas cartas e as tinha em seu poder e queria descobrir quem andava a tramar uma brincadeira de tão mau gosto, Carolina sentiu-se agitada, um pouco aflita e corou sem o ver resolvendo ficar um tempo sem aparecer na igreja.

Ela sabia que as senhoras da igreja comentavam este assunto, pois um dia que foi à igreja dar catequese, enquanto com um ouvido atendia os miúdos, com o outro ouvia bem os que as senhoras falavam: “……o padre garantiu que vai descobrir quem anda a cometer tais desatinos dentro da igreja…, isso era antes, no sec. passado …. sempre há cada uma…”

No final daquela aula de catequese Carolina disse aos miúdos que iria estar ausente um tempo pois tinha que estudar para uns exames muito importantes. Depois arranjaria forma de lhes comunicar o reinício da catequese.

Quando ela ia a sair da igreja, o padre viu-a e chamou-a:


- Carolina chega aqui por favor.

Carolina corou o mais que pode, quando ouviu a voz do padre a chamá-la, mas encheu-se de coragem e foi junto dele. Como era lindo.

- Sim, senhor padre. Diga por favor - tentou ela falar sem corar.

- Isto é teu? Parece-me a tua letra. Será?

- Hã…, não sei, isto é, é sim, senhor padre ( não foi capaz de negar). Deve ter-me caído do bolso. Era para o meu namorado, decerto, sim, sim é isso. Tenho a certeza. Sabe como é, não tem mal nenhum, somos namorados.

- E todos os que tenho encontrado por aí, já para não falar nuns outros, com a indicação do meu nome? A letra parece-me semelhante.

- Não, não sei do que fala senhor padre. Nós raparigas temos muitas vezes letras parecidas, senhor padre.

- Sabes que mentir é pecado. Não sabes? Fala! Vais ter que rezar um terço inteiro, ajoelhada aos pés da virgem Maria, sempre de cabeça baixa.

- Mas senhor padre, porquê isso tudo?

- Não repliques. Não me digas que o teu namorado é um homem que vejo muitas vezes ao fundo da igreja? Andas a brincar com ele, a divertires-te com a sua vida? És mazinha. Em vez de um terço, rezas dois, sempre de cabeça baixa.

- Mas senhor padre, não conheço esse senhor e não sei do que fala. Só esse papel é meu. Deve ter-me caído do bolso. Porque não o compara com esses outros que diz que encontra.

E Carolina desafiava o padre correndo um risco terrível, mas sem temer, continuou:

- Vá, compare!

- Rasguei tudo aquilo, rapariga. Cumpre a tua penitência e tem juízo, que nem imaginas as voltas que estes papelinhos têm dado à minha cabeça.

E ela cumpriu a penitência, enfrente à Virgem, não sem deixar de pensar feliz…”ele leu os meus papelinhos, ele leu os meus papelinhos…e está confuso da cabeça…”

De noite sonhou com tudo aquilo. Era tudo tão estranho. Só podia ser tudo um sonho, uma ilusão. Ela apaixonada pelo padre e ele descobrir um papelinho escrito por ela com frases enamoradas, e dirigir-se a ela como se isso fosse muito natural.

Tudo aquilo só podia ser um sonho, uma ilusão. Mesmo que fosse verdade, como podia o padre alguma vez gostar dela e olhá-la como uma mulher diferente, se era mais jovem que ele? Os padres não casam. Era, só podia ser uma ilusão, uma quimera, um sonho que tivera.

Mas, para dar tudo por encerrado, escreveu-lhe um último papelinho explicativo e meteu-lho no bolso da batina. Ali contava-lhe o que fizera aquele tempo todo.

Coitado do homem, que rezava sentado ao fundo da igreja, que não tinha nada a ver com o início da história dos papelinhos e fora envolvido neste enrede, pensando inclusive que arranjara uma apaixonada.

*******
- Carolina, olha o pequeno-almoço, vais chegar atrasada às aulas - chamou-a a mãe da cozinha. Como sempre, já estás atrasada.

Carolina apareceu, como sempre, apressada. Vinha com um ar meio cansado e mal dormido.

- Tive uma noite estranha mãe. Nem te conto. Bolas. Não sei se sonhei se vivi, mas fartei-me de ver e viver coisas de noite. Olha, diz-me eu quando era miúda ia sempre à missa com a avó? E dei sempre catequese?

- Que pergunta filha. Sim, ias com ela ou então comigo. Mas que disparate é esse? Não te lembras? E depois sou eu que ando esquecida.

Olha, está ali um ramo de flores do vizinho do 3ª Esq. Ele, bem te quer, mas tu não lhe ligas nenhuma. Farta-se de te mandar flores para aqui e tu nada. Chega a ser falta de educação. Olha lá, quando é que assentas? Eu, no lugar dele, já tinha desistido.

- Mãe, sabes que não gosto dele e que algumas flores que me envia até me fazem alergia. Que chatice, não lhas peço, pois não? Além disso é burro e dá erros no que escreve nos cartões.

- No mínimo podias responder ao rapazinho, ligar-lhe, escrever-lhe um papelinho. Ele bem merece.

- Por favor mãe, não me fales de papelinhos, não agora. Tchau. Estou atrasada.

-Rapariga mais tola. Vê se atinas. Olha que, quem muito escolhe pouco acerta, e o rapaz vai ser engenheiro, é alto e boa figura. Filha, vê se atinas. Tem um bom dia e vai com calma.

Mas Carolina já não ouviu a mãe. Estava atrasada e com a cabeça a fervilhar de tanta confusão que lhe ia por dentro.

E ela que chegou a pensar que as flores podiam ser do padre ou de algum colega ou amigo. Ou seria tudo um sonho? Que confusão morava na sua cabeça. Já não sabia o que era certo ou errado, o que era verdade ou ilusão, ou mesmo mentira. Era uma sonhadora e ultimamente parecia andar a exagerar.

Mas que lhe importavam as flores, se os cartões que traziam eram sempre enigmáticos, sem nome, ainda que escritos de forma muito poética? Podiam até não ser do vizinho, mas de algum tarado que imaginasse que ela podia ser uma poetisa, que apaixonada, um dia, lhe respondesse com sonetos.

Carolina pensava mais do que fazia. Papelinhos escritos com carinho falando de amor, cartões enigmáticos escritos nos ramos que recebia, e nos cantos dos seus cadernos. Em qualquer papelinho ela escrevia frases que, maiores ou menores, soltas ou não, falavam de amor de paixão de dar e receber ou dar e ter, ou não ter e querer ter e possuir. Mas sempre de amor, paz , união, liberdade, muita alegria e felicidade.

Sim, Carolina descobriu que amava as palavras: as ditas, as escritas, as que lhe iam na mente, todas as que queria colocar cá para fora e lhe diziam um monte de coisas bonitas, ou feias, mas que ela queria ver escritas.

Seria a forma de se libertar de todos os sonhos verdadeiros, ou não, que a apoquentavam desde menina, coisa que naquela altura nem estava interessada em descobrir se eram verdade ou simplesmente uma ilusão.

Só lhe interessava uma coisa: ela descobrira o seu maior amor, as palavras escritas.

Mas quem havia de a ajudar e ensinar a escrever bem poesia. Ela sonhava com a poesia, com cantos escritos, com os tais papelinhos que falavam de amor, mas aquilo não era nada, era pouco. Ela tinha que descobrir alguém que a ajudasse, que a ensinasse, que escrevesse para ela, e com ela, poemas, muitos poemas de amor, de paz, felicidade, alegria, de tudo que pudesse transformar o mundo, num mundo melhor a começar na sua cidade.

Depois, quando soubesse bastante, escreveria milhares, milhões de poemas e saberia o que fazer com eles.

E arranjou ajuda. Tanto procurou, que arranjou.

E escreveram, escreveram e estudaram muito ela e o professor poeta. Analisaram o português, a poesia em todos os seus recantos, e Carolina apaixonada pelas palavras, pelos poemas escritos, depois de ter escrito muitos milhares de poemas e frases de amor, paz e união, espalhou-as pela cidade inteira sem deixar um canto sem as suas palavras escritas e tão sentidas.

Dizia-lhe a mãe:

- Mas que andas a fazer filha? Pareces louca. Cheia de papéis, não ligas a mais nada. Estás magra, pálida. Oh filha, o que andas tu a fazer?

- Estou apaixonada mãe, apaixonada. Arranjei um amor novo, meu, só meu.

- Mas se é teu namorado, claro que é só teu. Mas estás pálida, quase não dormes e andas sempre apressada com tanto papel atrás de ti. Mas que tanto escreves tu? Um dia vão chamar-te louca.

- Vão nada mãe, vão nada. Vão é enamora-se como eu. Não sentes a paz no ar?

- Sabes filha, não te entendo. Juro que não. Ultimamente andas esquisita. Esse namorado quando o trazes cá a casa? Parece-me que te anda a fazer mal. Cuidado com esse namoro,

- Então, não querias que eu arranjasse um namorado? Tenho um e reclamas?

- Mas quero conhecê-lo. Quer dizer, gostava de o conhecer, afinal sou tua mãe….

- É o meu poeta. É o homem que me ensinou tudo o que sei.

- Ó Carolina, mas desde quando ser poeta é ter uma profissão, é trabalhar para criar uma família? Será que estás louca? Dizes me que estás apaixonada por um poeta?

- Sim, mãe, estou apaixonada, não vês?

E Carolina aprendeu muito, estudou, pesquisou e nunca mais deixou de escrever.

E editou um livro, depois outro, e outro. O mais doloroso foi dizer ao seu poeta, ao homem que tanto lhe ensinara e fizera por ela, que não o queria como homem, como amante. Ela só o tinha como amigo, pois o namoro que mais desejava era o que tinha com as palavras, a sua paixão eram só e sempre as palavras e a poesia, que a certa altura e sem ela dar conta já tinham saído da cidade e aos poucos tinham-se espalhado pelo mundo.

O poeta ficou desolado, mas entendeu. Carolina lutava pelo amor no mundo, a paz e união entre todos e não pensava nela senão integrada nesse todo, sabendo que só seria feliz se sentisse o mundo feliz.

Nesta altura pouco importava a Carolina se o que um dia lhe acontecera ainda jovem, quando misturava os seus sonhos com a realidade teriam sido sonhos ou a realidade.

Não se importava, nem queria saber se tudo tinha sido mesmo uma ilusão ou uma verdade. Se os papelinhos que escrevera ao padre seriam uma certeza ou uma mera ilusão, mas sabia que fora aí que tudo começara. Fora isso que a transformara na mulher que era então. Livre, forte como o vento, mais espontânea que as ondas do mar mais rasgadas, que ora batem com violência na praia ora se arrastam de mansinho, mas sempre, sem nunca pararem ou vacilarem.

Carolina era uma mulher capaz de enfrentar todos os vendavais e foi assim que passou a ser reconhecida por todos na sua cidade, a grande poetisa Carolina, cidade a que colocaram, por sua causa, o nome de “Cidade da Poesia”.

Passaram a chegar à cidade pessoas, de todo o mundo, que queriam visitar a Cidade da Poesia e aquela poetisa, tal era a fama que alcançara pelas poesias que escrevia nos seus livros.

Ninguém sabe porquê, mas o padre acabou por desistir de o ser.

Pediu autorização ao Vaticano, e, ou por amor a Carolina, às palavras dos poemas que ela escrevia, ou porque os papelinhos de facto existiram e o enfeitiçaram, um dia pediu perdão à Virgem, rezou muitas orações, e deixou as senhoras da igreja de queixo caído abandonando o que pensara sempre ser a sua vocação.

Tinha sido enfeitiçado pelas palavras e trabalhava ao lado de Carolina a dar-lhe apoio quando recebiam estrangeiros para visitar a cidade e ouvir as palestras que a poetisa dava sobre: “As Palavras Ditas e Escritas de Carolina.”


Inês Maomé






  

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