sexta-feira, 18 de março de 2011

Um novo livro- A troca

Era uma aldeia bonita, com a sua capela barroca onde se destaca a torre do sino galaico-português, mais elevada que os dois pináculos graníticos que a enquadravam. Helena e toda a aldeia eram devotos do Santo desta capela, Santo Amaro, e em Janeiro festejavam os seus milagres e feitos, numa romaria a preceito, fazendo o mesmo em Agosto, durante a primeira quinzena numa romaria em honra de Nossa Senhora da Natividade. Nestas alturas a povoação das aldeias vizinhas, como Quintela, Gondar, Santiago do Monte e outras, visitavam Malhoa, e viviam com eles estes momentos religiosos e de festa.


Mas Helena vivia cansada de ter tão pouco. Na altura em que devia ter ido à escola, até foi inscrita pelo pai em Quintela, a maior aldeia de todas vizinha de Malhoa, que tinha uma boa escola para a altura, e Helena lá ia descendo e subindo todos os dias, alguns quilómetros até á escola, com frio, neve e chuva intensos, ou então um calor intenso quando chegava o final da escola no mês de Junho, para aprender a ler e a contar como era seu desejo. Mas a mãe precisava dela em casa para cuidar dos irmãos que foram nascendo depois dela, pois tinha que acompanhar o pai no tratamento ta horta e cuidado do gado que tinham, e ela, sem desobedecer à mãe, e porque o caminho era duro, faltava muitos dias à escola. O que aprendeu foi tão pouco, que mal dava para ler alguma carta, que um dia se o tivesse, algum namorado lhe escrevesse.

O irmão que se lhe seguia era um rapaz, reguila que não podia ser mais, mas de bom coração, e que a ajudava como podia e sabia, quando lhe apetecia, pois muitas vezes alegava que estava cansado e quando mais crescido, dizia estar farto daquela vida. Tal como ela, o João, muito cedo aspirou a descobrir outros mundos, sair dali, pois dizia sempre que o mundo não podia ser só aquela montanha e aquelas duas ou três aldeias. E a ele a mãe não permitia faltas da escola, pois era homem, e já bastava o pai saber tão pouco de números e letras, e portanto apesar das caminhadas tanto ele, como os dois irmãos homens que se seguiram ao João, aprenderam na escola bem mais que Helena que só encontrou algum apoio mais tarde depois de criar a quarta irmã também mulher como ela. Depois desta irmã nascer, Helena ainda teve mais dois irmãos para cuidar, um rapaz e outra irmã, a mais nova se todos os irmãos e como a mãe dizia, criada noutra época já como se fosse uma rainha, com todos os irmão a paparicá-la.

Durante a década de cinquenta, e como sabia Helena ajudou a mãe e o pai e foi á escola os dias que conseguiu e lhe foi permitido ir. Em 1960 tinha ela 16 anos e João 15, e a mais nova, a Clara 6 anos e muitas vezes João comentava com Helena.

-Um dia destes fujo daqui. Sei de uns homens que partiram para longe, galgaram Espanha, para ganhar a vida no estrangeiro. Aqui nunca vou ser nada, nem fazer mais que o pai, criar ovelhas, e não quero isso para mim.

-Estás maluco João, e vais com que dinheiro? A mãe sabendo morre de desgosto, e já não anda muito bem. Para o estrangeiro não, mas gostava de ir para a capital. Sei de uma rapariga que andava na escola que foi com uma prima servir uns senhores lá na capital. Para aí também eu ia, e sabes que mais, e depois gostava de estudar que aqui não aprendi nada. Um dia gostava de ser doutora, saber muito de letras e números, ler livros, sei lá, queria ser como a professora que tive na escola, mas queria saber coisas do mundo que deve ser muito lindo.

-Ainda és pior que eu. Sonhas alto rapariga. Mas vamos combinar, se eu conseguir abalar daqui, quando tiver dinheiro mando-te algum e com ele vais para a capital. Que achas?

-Está bem, mas vê onde te metes, não conheces os caminhos, nem ninguém, não achas que devias falar nisto ao pai?

-Se lhe digo, não me deixa ir. Não, só te conto a ti, pois para o fazer tenho de ir pelo escondido da noite, como ouvi dizer na outra aldeia, aos homens que falavam na taberna. Vão a salto, pelas montanhas e de noite e depois lá se safam.

João não tirava esta ideia da sua cabeça, e se o desejava fazer nessa altura, no ano seguinte, em 1961 quando rebentou a guerra no ultramar, e começou a ver abalar alguns jovens para a guerra, na primeira oportunidade que teve, juntou-se a grupo e quase só com o que tinha no corpo abalou, dizendo à irmã.

-Diz à mãe que não se preocupe comigo. Um dia hei-de voltar. Cresci nas montanhas, não quero ir para a guerra que nem sei porque existe, nem onde é. Ela que não se apoquente, que à guerra não vou. A ti, logo que possa, mando-te dinheiro para ires para a capital como desejas.

Helena preparou ao irmão, um saco com alguma coisa de comer para o caminho, e alguma roupa, pouca, pois também não tinha muita, e pela noite dentro, quando todos dormiam, recolhida no seu canto, daquele quarto onde dormia com a maioria dos irmãos, senti-o partir, mas ficou quieta em silencio, pedindo a Deus que tudo lhe corresse bem. Também ela, não gostaria de ver o irmão partir para a guerra, sabe-se lá para onde.

De manhã quando deram por falta do João, não disse nada, deixou que o tempo passasse, e só muito tarde, à hora da ceia, com todos à volta do lume, lhes contou o que sabia.

-O João foi com um grupo de homens para Espanha e depois deve ir para algum lado trabalhar, não sei aonde. Disse-me que não quer ir para a tropa, para depois o enviarem para a guerra sem saber para onde. Não vos disse mais cedo, para ver no que dava, pois ele até podia ser apanhado ou voltar para trás, mas a esta hora o pior já passou.

Não houve muitos comentários, e a mãe só disse que também não o queria ver partir para a guerra nem aos irmãos, mas fugir à tropa tinha ideia que seria perigoso. O pai pelo seu lado comentou.

-Nenhum de vocês vai comentar na rua o que aqui foi dito. O João partiu, deixá-lo ir.
 
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