terça-feira, 15 de março de 2011

A dança e Isabel

Continuavam a ser muitas as horas que passava sozinha, e cada vez mais, pois os filhos, crescidos, ausentavam-se também primeiro pelos estudos depois pelo trabalho, até que finalmente passaram a viver independentes. Era a vida a andar ininterruptamente para a frente, e Isabel a querer aproveitar dela o que ainda não tivera. Por vezes revoltava-se por achar que fora roubada em muitas épocas, de tempo, de prazeres, de sensações, que a privaram de sentir indevidamente. Mas já nada havia a fazer, só caminhar e seguir em frente, aprendendo e usufruindo ainda, o que a vida lhe podia conceder.

Um dia, nesta fase de meia soledade e vazio, resolveu que era a altura de aprender a dançar como sempre sonhara desde criança. Estavam a chegar a Portugal, danças que estavam a entrar pela Europa vindas da Argentina, de Cuba e de África. Pesquisou, informou-se e encontrou. Correu várias escolas até se fixar numa definitivamente, mas os primeiros dois, quase três anos, passou-os numa escola onde conheceu algumas pessoas que amou verdadeiramente, pela singeleza, porque se mostraram amigas e afáveis, mas também porque a ensinaram no que Isabel quase achou impossível aprender.

Um, dois, três, cinco, seis, sete, foi uma contagem que passou a fazer parte da sua vida. Iniciar-se no Merengue não foi tarefa fácil, quando começou a introduzir passos mais complicados na dança, para não falar, em tentar dançar numa Roda de Casino, ou a par um Funaná. Tudo aquilo que só a ver parecia simples ao princípio, lhe mostrava demasiado complicado a executar, com um ritmo que o seu corpo não assimilava. Mas Isabel conseguiu desembrulhar-se do complicado, que parecia simples, mas tinha que ser trabalhado para ser conseguido, e apreendeu o ritmo de Salsa Cubana. Depois, com alguma dificuldade, no kizomba e no Semba, lá conseguiu captar à sensualidade dos movimentos, apaixonando-se por essa forma de dança.

Mas mais difícil que isso, conseguiu que o Pedro aderisse a esse prazer e se inscrevesse na sua escola, para também ter aulas de dança. Essa era uma batalha ganha, mas ficava sempre triste, quando lhe diziam que para a sua idade, dançava muito bem. Ela não queria, que na dança houvesse idade, só queria dançar bem, e de facto dançava mas o seu tempo tinha passado um pouco, e de facto dançava mesmo bem mas para a sua idade, pois nunca seria como uma jovem a dançar.

Sei de algumas histórias, que me contou e que viveu nestas lides das danças, que não as vou descrever, por serem tão reais e sinceras que não têm porque, nem como ser descritas, por serem tão intensamente sentidas, mas dançar bem e não ter com quem dançar não é fácil suportar, bem melhor, é não saber dançar, nem querer aprender, nem ir ver dançar, detestar mesmo a dança, para depois não ter que olhar os outros e ficar parada no canto da sala a ver a sua agilidade e beleza, a forma como os seus corpos se contorcem e bamboleiam, sempre ao ritmo sincopado da música.

Olhar e contemplar sem saber como fazer, apreciar só, não custa nada, mas a Isabel isso doía-lhe, pois gostaria de fazer igual. Isabel era a mais velha da escola, os jovens querem-se, uns com os outros, e muitas vezes ela sentia-se como uma intrusa. Além disso o seu tempo de força e vigor já passara. Mas foi sempre andando sem desistir, ainda que muitos dias o entusiasmo lhe faltasse.

Um dia, porque estava cansada da forma de ensino daquela escola e também da maneira como era tratada, resolveu procurar um outro canto, uma nova escola. Tanto buscou que encontrou. Aquela escola era uma família, o seu director, professor e bailarino principal, os alunos, todos juntos, faziam um grupo espectacular. Ali Isabel sentia-se bem, sem nunca esquecer os seus amores antigos, ali arranjou um novo ninho, um novo encanto. O professor dava-lhe aulas particulares e Isabel rejubilava de alegria e satisfação, pela aprendizagem, pela partilha, pela amizade que foram construindo aos poucos. E Isabel aprendeu Salsa em linha, o Chá-chá-chá e outras danças e mais que tudo, aprendeu a libertar-se, e a deixar-se conduzir numa dança, como nunca sonhara antes.

Naquelas aulas, em que estava só ela e o seu mestre, Isabel era feliz, porque se sentia única, solta e realizada a cada instante, apesar de saber que era só ali, naquela sala, que isso acontecia, pois nas festas o peso da idade e os pensamentos que tinha sobre o dançar muito ou pouco, por falta de par ou de energia, voltavam sempre a ensombrá-la.

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