domingo, 17 de abril de 2011

Regresso a Lisboa

Naquela tarde, passado um mês, em finais de Março o médico disse que a menina estava a recuperar muito bem. Mamava bem, o que era uma verdade, ainda que tenha sido muito difícil habituá-la a puxar o leite da mama porque era preguiçosa, dormia bem, estava rosadinha e via-se muito bem que estava mais gordinha, pois preenchia muito melhor a roupinha onde antes quase não cabia, por esta parecer ser para um gigante. Com umas dobras nas mangas os casacos que foram antes do irmão serviam-lhe na perfeição, portanto tinha engordado.


Quando o médico saiu a senhora disse:

-Helena, não devo nada a ninguém, paguei agora ao médico, chama um táxi para este número e vamos embora. A menina já suporta, a viajem. Estou farta de estar aqui.

-Um táxi minha senhora, mas e o médico não lhe disse ainda que podíamos sair com a menina para a rua. E o Fernando, porque não o manda chamar?

-Deixa o Fernando em paz, Helena, quero ir embora imediatamente logo resolvo se vamos de táxi até Viseu, até Coimbra ou até Lisboa. Manuel tem-me enviado dinheiro, o suficiente para podermos ir de avião se o houvesse.

-A senhora diz cada coisa. Mais-valia ter contado ao senhor que estava grávida dessa menina, que ele tinha ralhado na altura, mas agora gostava dela que só vistos, como um pai. Se gosta assim da senhora, havia de gostar de uma filha da senhora e perdoava a senhora. O tal do capitão Henrique, nunca mais disse nada.

-Cala-te Helena cala-te com isso.

-É o que lhe digo aconteceu uma vez numa aldeia vizinha, e o marido perdoou a mulher ainda que o povo lhe tivesse chamado, com licença da senhora “cornudo”, mas ele não se importou, pois sabia que também não dava guarida nenhuma à mulher que tinha em casa, nem carinho, apesar de gostar dela, e dela ser uma boa mulher. “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”, é o que dizem. A partir daí ninguém mais ouviu dizer nada. Dizem, que que tem telhados de vidro não deve atirar pedradas…

-Sempre dizes cada coisa, Helena. Realmente, por vezes penso que ponderei demais, mas o que queria na altura era refazer a minha vida com o Henrique, só que ele partiu para o Ultramar, nesta altura não sei se não lhe terá acontecido algo muito grave. Nem sei mesmo, se ainda estará vivo. Tenho um aperto no coração desde que deixei de receber cartas dele. Agora vais lá abaixo, telefonas para este número, mas não dizes na loja o que estás a fazer, e mandas vir um táxi para a nossa casa aqui a cima. Levas também esta carta, a ultima que escrevo ao Henrique daqui a dizer-lhe que volto para Lisboa, porque de facto todas as que lhe tenho enviado não têm voltado para trás, alguém do lado de lá as recebe.

-Está bem, minha senhora farei tudo como diz.

E Helena pôs-se a andar remoendo entre dentes, tudo o que Justina acabara de dizer. O mais certo era Henrique ter por lá arranjado uma namorada, e nunca mais se ter lembrado dela. Helena não acreditava nada que o capitão tivesse morrido na guerra, e um dia, imaginava que ele ainda havia de aparecer com a esposa em Lisboa, em frente à sua senhora, que agora resolvera de pé para a mão, pôr-se a andar para Lisboa de táxi com a menina, sem o médico lhes ter dado autorização. Por ela, estava tudo bem, mas que não achava nada daquilo certo, não, pois não sabia se a Luzinha estava preparada para tal viagem. Um dia a senhora ainda iria ser castigada.

Naqueles meses ali na serra, Helena tinha aprendido muito sobre coisas que nunca imaginara vir a conhecer e a entender. Crescera como mulher e como ser humano. Aprendera a ver a vida de outra forma, até aprendera a amar de outra maneira. Sentia-se feliz por estar a ajudar uma pessoa, mas muito preocupada por estar a enganar outras pessoas. Soube que o seu país estava em guerra e o mundo também não estava bem, e que portanto não era só a sua senhora que vivia a sua pequena guerra nem era só na sua aldeia que havia falta de muitas coisas. Tudo isto aprendeu Helena nas longas conversas que teve com a dona Justina que lhe falou de muitos assuntos, que ela ouvia sempre com muita atenção e que a ajudaram a formar dentro de si uma Helena diferente, mais esperta e atenta, mais completa, plena, muito mais realizada e mulher perfeita.

Na loja, tal com Justina recomendara Helena pouco adiantou, e depois de telefonar meio em segredo, só disse que mais tarde a senhora iria mandar noticias para a Olga, mas que como o livro estava praticamente escrito estavam quase de abalada. Quando saiu da loja não deixou de comentar para si mesmo:

-É sempre a mesma coisa, querem saber sempre tudo, tal qual como na minha terra, “mas quem tudo quer saber, nada se lhe diz”…., não vim aqui nem sequer um dia, que não me pedissem satisfações. Nunca ficaram satisfeitos, pois engelhavam sempre o nariz, mas não se podem queixar, porque sempre lhas dei. Gente alcoviteira.

Helena depressa chegou a casa. Estava farta de fazer a pé aquele percurso de quase uma hora até à loja, mas naquele dia, parece que levou muito menos tempo. Afinal já que partiam, também ela tinha pressa de ver esse momento chegar, e ainda tinha muito que fazer para deixar a casa em ordem. Quando chegou, a senhora já tinha a sua mala e a da menina preparadas e estava sentada com ela ao colo a dar-lhe mama. O sol entrava pela janela, e àquela hora, quase hora de almoço o sol estava lindo e batia nas duas entrando pela janela da sala, fazendo com elas um quadro divino. Ia ter saudades daquela casa e daqueles dias. O motivo que a levara a sair da sua aldeia também tinha sido aprender, e naquela altura já sabia muita coisa, tanto, que já não tinha extensão tudo que sabia. E não se sentia sozinha, pois tinha muita gente a quem amar e para cuidar, e isso deixava-a muito feliz, pois sentia-se útil.

-Já está minha senhora. O senhor do táxi diz que chega depois do almoço. Vou fazer alguma coisa para comermos. Há, deixei recado na loja dizendo que a senhora já tinha acabado de escrever o tal ”livro” e que depois mandava recado para a Olga vir cá a casa dar um arrumo à dispensa.

-Fizeste bem Helena, apanhaste-lhe o jeito, marota.

-Então minha senhora tem que ser, agora temos que ir até ao fim.

Enquanto pôs algo ao lume para o ultimo almoço ali, Helena compôs o seu quarto e arrumou as suas roupas numa trouxa, e como as malas da senhora e da Luzinha estavam prontas, deu uma arrumação ao quarto de ambas. Preparou num saco à parte os suplementos de leite da menina e as vitaminas da menina e da senhora e um amontoado de fraldas lavadas, para estarem mais à mão fora da mala, junto do pó de talco.

-Não sei o que seria de mim, sem ti, Helena. Pensas em tudo. Pareces a mãe da Luzinha, e a minha também. Lavas-lhe a roupa, dás-lhe banho, calas-lhe o choro quando tem cólicas e eu não consigo, dás-lhe o biberão como suplemento. Devo-te isso e todo o apoio que me deste estes meses todos. Obrigada Helena.

-É a minha obrigação, minha senhora.


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