quarta-feira, 20 de abril de 2011

O pai

Daí a um pedaço de tempo ambos com cara de comprometidos compareceram na biblioteca para ouvir o que o patrão tinha para dizer. Naquela casa todos estavam embrulhados numa teia que ninguém tinha ajudado a construir, e Helena por breves instantes já se arrependera de ter colaborado tanto com a patroa, mas agora já era tarde, era o que pensava. Se os seus pensamentos falassem, todos ali na sala ficariam abismados com o que eles estavam a dizer, e manteve-se em silêncio à espera do veredicto do senhor dom Manuel que era um ditador.


-Fernando, devias saber que Helena estava grávida, pois todo o homem sabe quando deixa uma mulher grávida.
-Mas senhor…
-Não me interrompas, que ainda não cheguei ao fim. Bem vos vi aos beijos e abraços pelos cantos do jardim, e foi no que deu. Amanhã vais registar a criança no teu nome e no da Helena que essa criança tem que ter nome de pai e de mãe, e começam a pensar quando hão-de juntar os trapinhos, pois aqui só ficam a morar enquanto estiverem solteiros, Depois de casados, trabalho ainda vos dou mas morada não pelo menos a Helena que é quem cá mora.

-Mas senhor dom Manuel, eu não sou o pai dessa criança.
-Deves estar doido rapaz. Andas com a rapariga, abusas dela, e depois dizes, que não és o pai. Eu bem disse desde que meti aquela rapariga cá em casa, que a coisa ia dar para o torto. Era jeitosa demais. Ganha juízo, e assume de uma vez os teus actos, e sai daqui que nem te quero ver mais.

Helena não disse uma nem duas, mas tinha a certeza que a ela ninguém a ia colocar para fora daquela casa enquanto não tivesse condições de escolher outro sítio digno para morar com a sua filha. Até lá porém, faltava muito tempo. E uma coisa tinha ela a certeza não ia casar com Fernando nem com ninguém nos tempos mais próximos.
Celeste como de costume ouviu um pouco da conversa e quando o Fernando estava para sair pela cozinha falou com ele.

-Era o que me faltava dar o nome a uma filha que não é minha.
-Mas não é mesmo tua? Estás doido, então de quem é? Nesta casa parece que virou tudo doido.
-Não sei, nem me importa. Olha e queres saber que mais. Amanhã já cá não apareço. Tenho um amigo que anda à procura de emprego de motorista. Vou mandá-lo à fábrica falar com o patrão, e vou partir, com uns amigos para França. Partem este fim-de-semana pela calada da noite. Vou com eles e seja o que Deus quiser. Havemos de nos dar por lá bem, como muitos que por lá estão já se dão, e livro-me disto tudo. Depois se quiseres, podes contar à Helena, ou não contes, tanto se me dá, que ela também foi uma ingrata comigo.

-Olha, sabes que mais, não entendo nenhum de vocês, juro à fé da minha alma. Mas se queres ir vai com Deus que perante o patrão farei de conta que não sei de nada, achoo melhor.

E o Fernando saiu, naquele ano de 1965 daquela casa, para fugir de vir a ser pai à força de uma criança de quem realmente não era pai.

Na manhã seguinte Fernando não apareceu, e por mais que o senhor dom Manuel esperasse, acabou por desistir chamando um táxi porque o Fernando nunca mais chegou.

O patrão chamou-lhe todos os nomes possíveis piores que irresponsável, e deu ordens para que Helena fosse de táxi registar a menina, com a Celeste, atribuindo-lhe o nome de pai incógnito, que lhe ficaria muito melhor que o nome de um pai cobarde. Por enquanto Helena ficaria ali em casa, e depois se viria o que fazer coma as duas. Mas Helena sabia que ficaria o tempo que lhe apetecesse.

Para Justina, todos estes acontecimentos eram facadas que despedaçavam aos poucos o seu coração. Estava cada dia mais fragilizada, sem saber o que dizer, fazer ou pensar. Todas as suas energias, tinha-as consumido para chegar até ali, e agora estava decida a deixar o barco andar com a corrente e deixar-se ir para onde ele a levasse. Sentia-se impotente para fazer fosse o que fosse, e qualquer coisa que acontecesse tudo seria menos mau, que tudo o que tinha vivido até aqueles dias. Estava esgotada, exausta de tanta mentira, de tanta perda, te tanto desamor, de tanto vazio de tanto desengano. Não tinha nada, nem ninguém, mas também, ninguém nem nada lhe importava.

De vez em quando lembrava-se de Henrique e nada lhe tirava da cabeça que ele com certeza tinha falecido numa guerrilha no Ultramar como acontecia a tantos. E nem procurou informar-se. Foi-se instalando nela esse sentimento de perda e de luto, e uma vontade de não fazer nada, senão procurar o refúgio da biblioteca, a leitura e a escrita, que se misturavam com uma tristeza que lhe ia crescendo dentro do peito cada dia mais um pedaço. Nem a menina procurava ver. Também o filho, Manuel lhe iam retirar de casa, e a sogra que estava para chegar, apesar de ser muito boa senhora, deixava-a falar como se fosse uma música suave que lhe embalava os sonhos e a ajudava a adormecer, porque lhe contava sempre as mesmas histórias.


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