sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Menino de Ninguém 1

O casamento


Ambas as famílias consideravam que o melhor era casá-los. Naquela altura parecia ser o mais acertado a fazer, para a tranquilidade e felicidade de todos.

A rapariga, bonita e até algo prendada em casa, muito cedo desistira de estudar. Ficara unicamente com a quarta classe, garantido aos pais que não precisava, nem queria saber mais do que suspeitava ser o suficiente para ela. Estudar era uma estopada, e para que havia ela de saber outras coisas, se queria era começar a trabalhar o mais rápido possível para comprar roupas novas, botas, sapatos e carteiras, como via as artistas usarem nas revistas que lia. Aprender mais do que já sabia, o que era manifestamente pouco, e que aos seus olhos era já demasiado, não era o seu objectivo, interessando-se mais pelos bailes, festas e namoricos.

Bastava-lhe para ser feliz o aconchego que tinha em casa, onde era tratada pelos pais como queria, pois conseguia dar-lhes sempre as voltas conseguindo sempre atingir tudo o que desejava pois tinha a mãe sempre do seu lado, vá se lá saber porquê. Não valia de nada as tias dizerem muitas vezes à Fernanda, mãe da Nita, como lhe chamavam todos:

- Ainda vais acabar, por estragar a tua filha. Não há nada que ela não queira que não consiga obter. Nem a deixas perceber como a vida custa é difícil. Prece que vive nas nuvens. Um dia vais arrepender-te e será tarde. Deus queira que a gente se engane…

Mas a mãe da Nita, a Ana para muitos, nunca deixou de ser a sua filha única, uma menina loira de olhos azuis, bem-feita, de contornos arredondados mas perfeitos e com uma maneira de ser muito própria, que Fernanda adorava acima de tudo, e talvez por isso lhe fazia todas as vontades e a protegia de todas as suas acções menos corretas encobrindo-as do pai.

Assim, logo que começou a trabalhar, para senhoras que a contratavam à volta da sua aldeia, indo inclusive de camioneta até Viseu, a cidade mais próxima, onde arranjou trabalho nalgumas casas, aplicava-se com aprumo ao trabalho fazendo tudo com correcção, pois a mãe nesta área, tinha sido para ela uma óptima mestra.

Nita, começou assim muito cedo a ganhar algum dinheiro mas tudo o que ganhava, gastava para se arrumar e enfeitar como entendia, e por mais que a mãe a aconselhasse a guardar algum dinheiro para o seu futuro, pois não era pobre, ela tinha sempre algo mais para comprar. Muito cedo se habituou a não dar muita importância ao dinheiro, a não valorizar a sua importância apesar de ser resultado do seu trabalho. Depois as saídas com as amigas que pensavam como ela, os bailes e festas ou simples saídas até um bar ou café, os namoros com um e com outro faziam-na feliz, e pensava que não precisava de nada mais para ser feliz, até que conheceu aquele rapaz.

Bonito a valer, o Carlos, até era trabalhador afincado, pintor desde miúdo pois aprendera com o pai, mas mais que isso aos olhos de Guida era simpático, de cabelos escuros, encaracolados, alto e vistoso, com os seus olhos negros e pestanas longas que pareciam querer chegar à lua, os lábios carnudos e bem delineados que lhe davam um ar de artista, de galã de televisão, mais parecendo um desses moçoilos capazes de ser modelo de qualquer marca afamada, o que encantava a rapariga.

Mas Carlos, o Marques como os amigos lhe chamavam, tal como ela, a Nita, e todo o ser humano, tinha alguns defeitos e o mais grave de todos era gostar de beber. Ele não tinha conseguido fazer mais que a terceira classe do ensino básico, muito pouco, tendo em conta que vivia nessa altura no início da década 70 onde o analfabetismo em Portugal tinha diminuído bastante e o 6º ano era obrigatório. Mas o Marques tinha que ajudar o pai a pintar nas obras que tinha para acabar. Desde muito pequeno era um mestre. Com um pincel muito fino, contornava ombreiras de portas e janelas com mil cuidados, ou contornava da mesma forma e com igual cuidado e perfeição as paredes de cada divisão a pintar, em toda a volta, e essa era uma ajuda que o pai não dispensava.
 O pior é que havia alturas que para matar a fome dos longos dias de trabalho, o miúdo a mandado do pai que fazia o mesmo, enganava o estomago com um copo de vinho, muitas vezes pouco depois seguido de outro e por isso se foi habituando. Para o pai isso não representava mal nenhum, pois se o miúdo tinha fome e ele tinha o vinho que a ele lhe parecia dar força, dava-o a beber também ao Marques que ia bebendo e trabalhando, chegando a casa à noite meio trôpego. Depois de comer algo, deitava-se e dormia sem vontade nenhuma ao acordar no dia seguinte, de sair e ir à escola, pois tinha sempre muito sono e nunca percebia nada de nada do que a professora dizia. E foi assim que o Carlos só fez a 3ª classe.

Mesmo assim a Guida não conseguiu fugir aos seus encantos e beleza, e pouco depois de se conhecerem, da Nita saber que ele era pobre, mas era pintor, o resto não lhe importou, e o namoro de ambos começou e passado algum tempo estava mais que certo daria em casamento.

Nita estava apaixonada, e apesar das cenas contínuas que Marques fazia quando num baile ou noutro bebia mais que a conta, ou até numa simples reunião familiar, quando ele se embriagava à mesa, pois acabava sempre por beber mais que comer, e fazia com que todo o ambiente se voltasse às avessas, transtornado tudo e todos, pis passou na adolescência a ser violento. Nita não queria mais largá-lo mais, apesar de tudo, dizendo sempre que um dia quando casassem ele mudaria, pois quando o Marques voltava a si era o jovem mais apaixonado e ardente que alguma vez Nita tinha conhecido.

Os pais de Carlos estavam convencidos que sim, que o casamento lhe faria bem, e que mais tarde responsável por uma família ganharia juízo e aquele seu hábito de beber abrandaria.

Fotos do Google

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