Perder um grande amor é como perder um pouco de nós mesmos, e ficarmos à deriva sem como um reles barco sem cais .... sem encontrar uma ajuda, sem avistar uma ilha, perdida num oceano infindo sem ter bóia ou sequer um tronco pequeno, algo onde se pudesse agarrar, uma orientação, uma luz, um barqueiro que ajudasse e ensinasse a navegar, acostar, e mais tarde, talvez quem sabe descansar.
Na sua existência no mundo, perder o seu amor, aquele que era o seu amor verdadeiro, o seu melhor e maior amigo, o seu companheiro, significava para Helena ter que voltar a nascer, reaprender a viver, e ela não conseguia imaginar como seria possível. Sabia que nada nunca mais seria como até ali, mas ainda não acreditava no que sentia como verdadeiro. José Carlos não podia ter tido um acidente tão grave, não podia ser verdade, mas de facto essa era a realidade.
Era preciso resistir, reaprender tudo de novo, reconstruir uma nova vida. Era necessário sobreviver de alguma forma, mas como havia ela de renascer novamente. Não podia vegetar, dar-se por vencida, pois tinha os filhos, mas estava desalentada, sem forças, vazia, como se lhe tivessem cortado as pernas e os braços, e a força que a fazia andar na vida.
Helena estava mutilada, e as suas perspectivas de vida naquela altura só lhe mostravam muita tristeza, sofrimento e dor. Não sabia como olhar o horizonte e voltar a ver como é sublime o nascer do sol, e á noite como é grandioso e belo o brilho do luar sobre o mar tranquilo, dar valor às mínimas coisas como sempre fizera com o Zé.
Perder o seu amor para todo o sempre, daquela forma violenta e brutal, pode acontecer numa ocasião a qualquer um, mas Helena não estava preparada para viver aquela situação, como nunca ninguém está. Nunca mais ouvir o seu amor dizer o seu nome, deixar de escutar a sua voz, nunca mais tocar a sua pele, ou ele, a dela, deixar de sentir fisicamente a sua presença ao seu lado, deixar de sentir o seu cheiro, a sua presença, o seu silêncio, os seus berros e ralhos, as suas gargalhadas, senti-lo adormecer, e milhares de tantas coisas que não conseguia recordar, mas que Helena sabia que tinham terminado, faziam-na sofrer como nunca imaginara ser possível.
Ficaria para sempre a lembrança dos sentidos do José nos seus, e na sua mente a sensação de que sentiria ainda e para sempre o cheiro e a presença do seu amor ausente. Tudo isso parecia uma cruel e muito dura realidade, tudo isso lhe doía muito fundo no seu coração, tanto que nem parecia ser verdade ao pensar, mas era a única forma de tentar resistir e superar não por ela pelos filhos, e por Maria Luísa que estava mal e precisava mais ainda dela, naquela altura.
Tudo isto era muito triste, cruel, mas verdadeiro.
Na sua pele a lembrança distante do seu toque, preso num fino véu de seda a sobrevoar eternamente a sua mente, como se um vento ténue pairasse sobre ela perpetuamente, mas cada vez tão mais distante, que de vez em quando não conseguiria evitar que a saudade fizesse libertar dos seus olhos, lágrimas de saudades profundas do vivido, cada vez mais distantes no tempo, mas sempre eternamente presentes. E teria que ser assim que Helena havia de sobreviver, de lembranças, com muita saudade do seu amor perdido, sem um adeus sequer.
E à cabeça de Helena apareceram imensas recordações, memórias de instantes vividos com o marido, com os filhos, com os amigos. Todas elas ficariam guardadas no seu corações como uma relíquia, amor único, numa caixinha de onde nunca mais sairiam, por mais que o mundo desse voltas.
E Helena falava alto e repetia como se estivesse a dizê-lo para ter a certeza que o José Carlos ouviria:
“- Os nossos filhos, o nosso amor, os nossos beijos e abraços, o nosso quarto, a nossa sala, a nossa casa, a tua mãe, os baptizados, as comunhões, a escola dos nossos filhos, as compras para a casa, os nossos amigos, o teu trabalho, o meu trabalho, os nossos cães, o meu bem-querer igual ao teu, os nossos telefonemas, a nossa família, a minha terra e a minha família, os nossos almoços fora com os amigos com a família, os Natais, as Páscoas, as festas da aldeia, os nossos serões, as nossas idas à praia, os nossos passeios a dois, as nossas férias, os piqueniques com os filhos, as nossas arrelias, as nossas tardes de domingo, as nossas discussões, os nossos encontros e desencontros, o estarmos sós, o acordarmos juntos, tudo o que vivemos juntos, e tudo o que ainda vou viver cada dia a pensar em ti, contigo a meu lado, porque te amo sempre, meu companheiro, minha força, meu amor, meu amigo. Obrigada, meu amor, um até já eterno”.
E Helena dizia tudo isto chorando compulsivamente, num choro ininterrupto e difícil de suster, sozinha no seu quarto. Os filhos já estavam a descansar e a família que ficara a fazer-lhe companhia, estava reunida na sala a descansar no sofá, lastimando-se continuamente.
Ela, sem conseguir dar descanso à sua cabeça, desejava que a manhã chegasse depressa, pois tinha que resolver o grande problema de dar sangue a Maria Luísa, sabendo muito bem que só por acaso teria o mesmo tipo de sangue dela. Estava tão angustiada que ainda nem medira a profundidade deste problema. A angústia de perder o seu companheiro de todos os momentos deixara-a atordoada, perdida a divagar em sonhos passados e fizera-a quase esquecer que realmente Maria Luísa não era sua filha biológica. Há muito que não pensava no passado e muito menos em Justina, que o pai de Maria Luísa por opção de JOSÉ Carlos e dela, nunca o tinham procurado
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